A impostora ou a essência?


"Hoje completo 37 semanas. Começo a sentir uma certa melancolia, algo que não chega a ser tristeza, mas uma espécie de blues. Uma vontade constante de chorar, muito cinza no céu aqui deste quase pântano. Mas nem vou culpar o clima, não é isso e eu sei o que é. Sei que é uma despedida, sei que vou, como toda mulher, morrer no parto para deixar nascer outra nova. E sei que para algumas mulheres essa iniciação morte-vida é muito mais dolorosa, e me enquadro neste tipo.

Quando criança, nunca gostei de bonecas, nem sequer as tirava das caixas. Eu preferia fazer bolo de barro, brincar de panelinha, pôr sal em lesma, cutucar ninhos de morcegos, colecionar folhas e casas de caramujos. Talvez por ter pouca identidade com a mãe e muita com o pai, sempre me identifiquei mais com o arquétipo da caçadora, da hetaira, da amazona, nunca com o de mãe. Até quando eu quis engravidar não foi por um desejo explícito por admirar criancinhas e ficar babando em lojas de roupas infantis, foi mais um desejo primitivo, sexual e intenso, uma reação normal e instintiva numa mulher de 30 que ainda não procriou...mas não foi um desejo psicológico.

Por isso eu acho incrível mulheres como a XXXXXX, que literalmente babam por bebês que não são delas. Acho que quando a XXXXXX ficar grávida, vai ser mais fácil para ela essa passagem pela qual estou passando. Eu tenho muitos sobrinhos e nunca sequer troquei uma fralda, nunca dei um banho, nunca me interessei por crianças. É claro que desde que engravidei, tenho me encantado com bebês, tenho sonhado com meu bebezinho e tenho muito amor por ele, mesmo antes de conhecê-lo. E não tenho dúvidas de que serei uma boa mãe, não é isso. Serei a melhor mãe do mundo. Apenas estou sentindo a dor, a melancolia de morrer.

A amazona de um peito só vai ter que morrer para nascer a mãe que amamenta. Já estou me sentindo definhar pouco a pouco num processo docemente doloroso, um processo que consome quilos de chocolate, lágrimas no travesseiro, olhares perdidos num céu de cinza. Quem será a impostora que virá quando eu finalmente morrer no ritual do parto? Será que ela vai querer pintar a minha casa de verde? Será que ela vai dar conta de terminar os livros que eu comecei a escrever? Será que ela vai conseguir seduzir meu marido? Que cheiro terá esta impostora? Que cor de esmalte ela vai usar? Será que meus amigos a amarão? Será que a responsabilidade do "cargo" fará com que ela não tenha o senso de humor que eu tenho?

A impostora guardará meu filho, amará meu marido, produzirá leite, e nunca mais, por alguns anos, viajará sozinha, não sem antes chorar. A impostora não abandonará o lar, não sumirá por três dias, não sentará no parapeito da janela com uma garrafa de vinho e a companhia de Dionísio. Usará sapatos mais baixos, dormirá mais cedo, provavelmente passará dias sem lembrar de batom. Não conhecerá pubs e boates, mas restaurantes com parquinho. Não terá unhas compridas. Usará roupas práticas. E quando ela for à locadora, visitará primeiro a seção infantil, nunca mais psicodrama, nunca mais Fellini, nunca mais Almodóvar e trêmulas carnes, pelo menos não antes da criança dormir. A impostora não cultivará cactos, não beberá demais, gastará horas lendo todos os rótulos das comidas de supermercado.

E enquanto isso eu sigo definhando, tenho poucos dias. E sei que quanto mais fraca eu estiver, mais rápido e fácil será o parto. A "batalha" do parto será a batalha da antiga e moribunda Jussara contra a nova e poderosa Impostora, a Mãe. Sei que ela é mais forte, sei que não adianta lutar. Por isso vou me despedindo agora, vou tomar meu licor, usar meus perfumes e jóias que talvez a Impostora simplesmente ignore. Vou me matar pouco a pouco esta semana, deixar só um fio de vida, um fio fraco e tênue, fácil de ser rompido pela Impostora, num parto rápido e eficaz, sagaz como o corte da foice prateada da Lua."

(By Jussara)

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Na verdade a Impostora é a mulher-mãe. Muitas mulheres não permitem essa transformação, e tal qual "mortas-vivas", seguem sofrendo pela vida "que não têm mais". Mas, diz a lenda, que a mulher que enterra definitivamente aquela que já não é mais, transforma-se na melhor mãe e na melhor mulher de todos os tempos!

Grande abraço,

W.N.

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Então nossa querida Jobis escreveu:

De: Jobis

Data: 25 de outubro de 2011 10:25

Para: partonosso@yahoogrupos.com.br


Um belo dia, eu não me reconheci. Eu não sabia exatamente o que tinha mudado, mas eu não era eu. Não tive a consciência da Jussara que foi citada aqui no grupo. Não vi que estava mudando. Um belo dia, eu não cabia mais nas minhas roupas... Nos meus conceitos, nas minhas posturas, nos meus desejos, nos meus projetos. Fiquei chocada. Abri meu guarda roupa e vi que nada daquilo me pertencia mais. Abri meu porta jóia e vi que nada daquilo fazia mais eco em mim. Quem eu era? Do que eu gostava? Quais eram as minhas marcas? Quais eram os meus cheiros, as minhas músicas, os meus livros, os meus discos? Qual era a minha voz? Foi assustador. Eu estava vivendo a vida de outra pessoa. O que era aquilo, tão diferente de mim, tão intensamente eu, e tão diferente de quem eu era e de quem eu pensei que me transformaria? Nem minha casa estava como eu queria! Parecia que eu nem morava ali! Parecia que aquilo tinha sido decorado por uma estranha!

E aí eu me assumi, me enterrei e renasci. Não foi fácil. Mas se alguém ler o que eu escrevia antes e depois de 2007, talvez se espante com a diferença.

Os de perto estranharam. Perdi amigos antigos. Encontrei amigos novos. Revitalizei alguns laços.

Hoje eu sei que sou coisas que nunca imaginei. Sei que, quando eu inflei, inflei, até expelir um grão de humanidade, perdi algo junto com a placenta... E ganhei algo junto com os seios fartos. Perdi algo com as noites insones. Algo da minha essência morreu junto com a água fria que era quente para baixar as febres. E ganhei algo quando o via adormecer nos meus braços. Quem eu sou? Quem eu era? Perdi toda a segurança dos meus 20 anos. Perdi quase todos os meus ideais de festim. Perdi a leveza de quem não tem a vida de outra vida nas mãos e nas costas. Perdi a ingenuidade de quem acredita que um colar de pérolas a fará, realmente mais bonita e ganhei... A segurança de uma mulher. A sabedoria de quem sabe que pode aprender, de quem sabe que pode se superar, de quem sabe que tem um lugar, de quem sabe que não precisa mais se afirmar, e provar as coisas para os outros, e convencer para ser respeitada. Ganhei a glória de quem se respeita, porque achou seu lugar. A leveza de quem está mais perto de entender a ingenuidade dos outros. Ganhei um respeito pelas diferenças que não tinha, quando pensava que sabia muito mais do que ignorava no mundo. Ganhei a suavidade e a delicadeza de quem já sabe onde vai. Ganhei a ternura de quem não tem medo do tempo, porque sabe que o bom e o belo, o assombro e o torvelinho podem vir a qualquer momento.

Ganhei intimidade com a vida, por ter conhecido a presença da morte de tantas maneiras.

Quem eu era, não fui nunca mais. A menina que amava rosa, hoje prefere azul ou cinza. Que adorava perfumes mais chamativos, hoje prefere os mais discretos e gentis. O cabelo grande continua, se possível, abaixo da cintura, por favor... E ainda gosto de enfeitá-lo com um prendedor prateado, em dias de festa. Mas não preciso mais do meu prendedor prateado para saber que é dia de festa.

Estou livre de muitas coisas, e presa há milhares de outras. Tudo mudou, mas, em algum momento, eu senti que não houve exatamente morte. Não foi uma impostora que tomou meu lugar, minhas roupas, meus livros, minha casa, meu marido. Foi apenas a essência destilada de quem eu sempre fui, mas era medrosa demais para assumir. Eu tinha vergonha de bancar minha essência fêmea e me contentava com distrações; eu tinha receio do que seria de minha vida social se os outros vissem o tamanho do meu idealismo, e me contentava com meias palavras. Agora, não. Toda minha força, ternura, delicadeza, intensidade e amor estão expostos, a mostra, e foi isso que a maternidade fez por mim. Não se pode gritar enquanto pare ou se tem nascido uma cria e usar as mesmas máscaras depois. Não se pode cuidar tão intensamente de outro ser humano e ter as mesmas reservas com os outros seres da criação depois. Isso te revela na essência, te despe mais que qualquer encontro sexual e mostra o belo e o grotesco que existe em você...E o que fica é a realidade, você, o mundo que segue como sempre seguiu ao seu redor e, de algum modo, você está no centro ou na periferia dele, sozinha e nua, com uma cria nos braços. É assustador, é doloroso, é desconcertante... Mas é lindo... E, perdoe... é também vivo e... excitante demais.

beijão,

Jo

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Eu estava falando agora sobre isso e me aparecem esses textos. Nunca fiquei tão melancólica, angustiada com essa transformação, mas passei por muitas situações assim. Hoje não me reconheço mais e quero descobrir mais ainda a minha essência!


Desejo verdadeiramente o mesmo a todas vocês,.


Grande beijo,

--Polly

E Rebeca, alguns anos depois!

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